Em pelo menos 29 municípios cearenses, o Ministério Público do Estado do Ceará (MPCE) anunciou medidas cobrando a realização de concursos públicos em 2023, conforme apontou um levantamento realizado pelo jornal Diário do Nordeste por meio de notícias veiculadas pelo órgão público em seu site.
Ao todo, 30 procedimentos, que vão desde audiências públicas a ações judiciais, foram conduzidos por promotores de Justiça locais no período compreendido entre janeiro e dezembro. Neste espaço de tempo, a problemática que mais atraiu a mira do MP estadual foi a presença de servidores temporários ocupando vagas de carreira.
Consultado, o MPCE falou que tem “atuado ao longo dos últimos anos de forma contínua e proativa na fiscalização das contratações temporárias e terceirizações pelos municípios cearenses”, uma vez que só é permitida a terceirização e os contratos temporários em casos expressamente previstos em lei.
“Em anos eleitorais, essa preocupação se acentua a fim de que não haja abuso ou extrapolação das balizas legais. A contratação temporária, por exemplo, só deve ocorrer por um tempo determinado e havendo necessidade temporária de excepcional interesse público”, lembrou o MP.
Segundo evidenciou o Ministério Público, a edição de processos seletivos se tornou rotineira, para que os concursos sejam burlados, especialmente aqueles que são permanentes, a exemplo de professores e profissionais de saúde. “Essa prática é inconstitucional e alguns desses processos seletivos, inclusive, trazem regras que prestigiam a subjetividade, prática que também é ilegal”, complementoou.
“Nesse sentido, o MPCE tem expedido diversas recomendações, realizado dezenas termos de ajustamento e ajuizado ações civis públicas a fim de coibir essas práticas que infelizmente se tornaram rotineiras. Havendo crise de emprego na iniciativa privada, o Poder Público se torna atraente como empregador. Mas o ingresso no serviço público precisa ocorrer de forma legal e democrática, a fim de que os serviços prestados na ponta ao usuário também sejam eficientes e desembaraçados”.
MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO CEARÁ (MPCE)
Nova Russas foi a prefeitura da vez em 2 de agosto. Na ocasião, foi expedida uma recomendação para que a municipalidade recorresse a contratações temporárias apenas em casos excepcionais, por tempo determinado e que fossem observados parâmetros objetivos, a exemplo da realização de provas.
Em Nova Olinda, a fim de sanar a questão das contratações consideradas irregularidades, uma audiência púbica foi convocada. A temática foi escolhida em razão de questionamentos do órgão acerca da não realização de concurso num período de oito anos. Em contraposição a ausência de seleções do tipo, foi observada pelas equipes do MP uma carência de servidores nas pastas municipais.
A Promotoria de Ipueiras, em novembro, fez uma recomendação para a prefeitura da cidade a fim de que um concurso também fosse realizado para substituição dos que estavam alocados temporariamente. Diferente das demais, neste caso houve uma recomendação para que um projeto de lei fosse enviado à Câmara Municipal para modificar legislação que permite contratações temporárias apontadas como irregulares.
CASO DE JUSTIÇA
A primeira medida ingressada pelo MP data de 17 de janeiro, quando a Promotoria de Justiça de Reriutaba ajuizou uma Ação Civil Pública (ACP) contra o município onde está a sede do órgão para que fossem suspensos os contratos irregular com terceirizados e fosse realizado um concurso público para o provimento das vagas. O procedimento foi resultado de um inquérito civil e de uma recomendação – elas foram direcionadas à administração municipal nos anos de 2020 e 2022, respectivamente.
No mês seguinte, o MPCE ingressou com uma ACP na Justiça a fim de provocar a Prefeitura de Altaneira, na região do Cariri, a realizar um concurso. Em agosto, o Poder Judiciário determinou a adoção das medidas requeridas. A entrada do MP no caso aconteceu em janeiro, com a realização de uma audiência pública.
Em abril, o MPCE voltou a pedir ao Tribunal de Justiça do Estado do Ceará (TJCE) uma providência quanto ao assunto, para a concessão de liminar que obrigasse a Prefeitura de Barro exonerar servidores temporários considerados ilegais e realizasse concurso público. A Justiça cearense expediu uma determinação, atendendo o pedido. Depois do resultado, ama reunião foi marcada entre a gestão e o órgão para que alinhassem as medidas a serem tomadas a partir dali.
Ainda naquele mês, o MPCE entrou com uma ação na Justiça para que três editais de concursos lançados pela gestão de Camocim fossem suspensos, devido a irregularidades apontadas. No início de abril, houve uma recomendação à Prefeitura Municipal para a suspensão da contratação temporária de servidores e a realização de um concurso público. A convocação de aprovados em um certame anterior também foi solicitada.
Entre as multas imputadas pela Justiça do Ceará no que diz respeito aos concursos, o maior montante foi o atribuído ao prefeito de Aiuaba, no Sertão dos Inhamuns. Segundo a determinação, o político teria que desembolsar R$ 5 milhões, pelo descumprimento de uma decisão judicial. Proferida em abril de 2023, a sentença determinava a execução de um certame para a contratação de servidores efetivos. Esta primeira decisão decorreu de uma ACP foi ajuizada pelo MP em março de 2021.
Não diferente das demais prefeituras do Ceará que foram objeto de acusação na Justiça, a Prefeitura Municipal de São Benedito também mantinha servidores contratados temporariamente no quadro de pessoas lotadas no serviço público. Em junho, uma ACP requereu a exoneração dos que estavam empregadas no Município nesta condição e a realização de um concurso público para a ocupação de cargos efetivos.
Ao Diário do Nordeste, a Procuradoria Municipal de São Benedito destacou que um edital para a realização do concurso público foi lançado em dezembro e que, assim, está dando andamento ao processo requerido pela ACP do MPCE. A gestão apontou que o cronograma do certame foi divulgado no Diário Oficial do Município. Por conta disso, do cumprimento do que foi pleiteado na Justiça, a administração municipal disse que iria se abster de fazer “comentários adicionais”.
Acopiara também teve uma decisão judicial desfavorável, em agosto. Fruto de uma provocação do MPCE, a determinação, proferida na 1ª Vara Cível da Comarca de Acopiara, estabeleceu que a Prefeitura Municipal deveria apresentar um cronograma de convocação de aprovados em um certame para professor de Educação Básica da cidade. A sentença estipulou uma multa diária R$ 1 mil em caso de descumprimento.
No mesmo mês, em Tabuleiro do Norte, na região do Vale do Jaguaribe, uma ACP foi ajuizada para que houvese a exoneração de servidores contratados de maneira temporária em serviços que não sejam essenciais e a elaboração de um concurso em um prazo de até 180 dias. Uma averiguação foi feita e ficou atestado que a administração do município estava celebrando contratos de trabalho temporário fora dos padrões estabelecidos pela Constituição.
O TJCE seguiu atuando em decisões sobre o assunto e deferiu, também em agosto, uma liminar que determinou a feitura de um concurso público a Itaiçaba e a exoneração dos servidores temporários, exceto os lotados nos estabelecimentos da Educação e da Saúde. A determinação acatou uma ação ingressada pelo Ministério Público do Estado do Ceará em 1º de junho.
O caso de Itaiçaba, no entanto, não era uma novidade para o MPCE, já que em 2020, um TAC foi fomalizado com a Prefeitura do Município. No acordo firmado, o Poder Executivo havia se comprometido com a recisão dos contratos temporários. O cumprimento dos pontos acordados naquela ocasião, entretanto, não foi comprovado pela parte.
No fim de agosto, o descumprimento de um despacho foi parar no Judiciário. Na oportunidade, a Promotoria de Justiça Vinculada de Quixeré ingressou com uma ACP contra o prefeito do município por ato de improbidade administrativa. Pelo que foi veiculado, o mandatário descumpriu uma decisão judicial e uma recomendação do MPCE. Ambas diziam que a prefeitura deveria contratar servidores por meio de concurso público e anular contratos temporários irregulares.
Camocim foi a única cidade que apareceu com dois registros de ACPs impetradas em 2023 para a realização de concurso. A reincidência aconteceu em 22 de agosto. Foi pedido que a contratação de funcionários para o Centro de Atenção Psicossocial (CAPS) fosse por meio de uma seleção para efetivos. A decisão pelo ingresso da ação se deu porque representantes da prefeitura não concordaram com os termos propostos pelo órgão em um TAC apresentado na semana anterior ao protocolamento da medida.
Outra situação que se arrastava há pelo menos um ano foi a de Alto Santo, onde candidatos aprovados em um concurso público aguardavam convocação, enquanto um quantitativo considerável de temporários estavam na estrutura do governo. A demanda dos candidatos ocasionou numa recomendação direcionada pelo Promotoria de Justiça de Alto Santo à prefeitura. Em 16 de novembro, o órgão ajuizou uma ação com o mesmo intento, já que as recomendações não foram seguidas pela gestão.
Em novembro, o Ministério Público deu entrada com um mandado de segurança coletivo na 2ª Vara da Comarca de Acaraú, desta vez contra a Prefeitura do Município, que ainda não tinha concluído a nomeação de todos os aprovados em um concurso público realizado em 2019. Até aquela data, das 62 vagas previstas no edital, apenas sete haviam sido ocupadas. A validade do certame havia expirado em agosto daquele ano e ainda restava a convocação de 55 candidatos.
A reportagem tentou contato com todas as administrações municipais e consórcios públicos citados por meio dos endereços de e-mails disponibilizados pelos entes em seus canais oficiais para que esclarecessem as medidas tomadas após as iniciativas do MPCE. No entanto, até o fechamento desta matéria, apenas o Consórcio Público de Saúde da Microrregião de Itapipoca e a Prefeitura de São Benedito enviaram respostas. O conteúdo será atualizado assim que houver outras devolutivas.
COMPROMISSOS ASSUMIDOS
Em março, um Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) foi firmado com a Prefeitura de Chaval para realização de concurso público ainda naquele ano.
Em abril, a Prefeitura de Granja assinou um acordo para a organização de um concurso público em até seis meses. Uma seleção semelhante estava em andamento e teve seu edital alterado, por força do termo firmado entre as partes.
Ainda no mesmo mês, Milhã recebeu uma recomendação para que anulasse uma convocação de concurso público que já havia sido feita e fizesse uma nova. O pleito foi acatado pelo governo municipal, que publicou uma listagem chamando os servidores em 2 de maio.
Já no mês de maio, foi a vez da Promotoria de Justiça de Chaval firmar um Termo de Ajustamento de Conduta com o prefeito de Barroquinha para que ele substituísse os profissionais temporários por concursados. Na época, professores da Educação Básica, educadores físicos, psicólogos, agentes de saúde e endemias, fonoaudiólogos, assistentes sociais, nutricionistas, médicos e outros colaboradores trabalhavam em regime temporário de maneira injustificada. A convocação, pelo que previa o TAC, deveria acontecer até o dia 31 de janeiro de 2024.
Ao que consta nos registros divulgados pelo MP, Cedro teve uma recomendação expedida em junho, para que suspendesse um processo seletivo, classificado como irregular pelos agentes, e fizesse um concurso. A seleção pública, pelo que afirmou o Ministério Público, não possuía prova de conhecimentos, dando-se apenas por meio da análise de currículo. O pedido foi seguido pela Prefeitura no mês seguinte e, em novembro, um TAC foi assinado para garantir a execução do certame para o provimento das vagas ofertadas anteriormente.
Embora o número de ocorrências em que houve desacato seja superior, houve os que cumpriram as recomendações. Jaguaretama foi uma delas. A administração recebeu uma recomendação em 13 de setembro para a exoneração de servidores temporários e realização de concurso público no município. Em pouco menos de um mês, o prefeito acatou o que foi indicado e, no dia 6 de outubro, apresentou um cronograma para a realização do certame. Considerando o que ficou expresso pelo Executivo, a nomeação dos aprovados está prevista para 4 de junho de 2024.
No ato em que é firmado um TAC, o ente público que celebra o acordo se compromete em seguir as condicionantes constantes no documento. O propósito do dispositivo é que sejam feitos ajustes de condutas contrárias à lei. A iniciativa é acompanhada pelo MP, que analisa o cumprimento ou o descumprimento dos pontos elencados. E assim foi feito em Nova Jaguaribara, que havia assinado um termo em fevereiro, prometendo que nomearia os candidatos aprovados em um certame. A convocação dos postulantes aprovados, porém, não ocorreu no prazo estabelecido.
A última atuação do MPCE no ano passado foi um TAC com a Prefeitura de Varjota. O acordo previu um concurso para cargos efetivos, eliminando a contratação irregular de servidores temporários, que estaria, segundo o órgão ministerial, sendo feita com frequência sem que houvesse motivação comprovada. O cronograma acordado deve ser concluído até maio de 2024.
NEPOTISMO NA GESTÃO
Em Piquet Carneiro, conforme os achados do MPCE, as irregularidades superaram as contratações temporárias. Na máquina pública municipal foram encontradas situações caracterizadas como nepotismo – quando um agente público usa de sua posição de poder para beneficiar parentes – e nepotismo cruzado – que é quando quando dois agentes públicos empregam familiares, um do outro, como troca de favores.
Num primeiro momento, em outubro, foi recomendada a exoneração imediata dos servidores enquadrados nesta condição e um estudo de viabilidade para contratação por concurso. Num segundo momento, em novembro, foi cobrado o cumprimento da recomendação.
A partir do recebimento da recomendação, o município deveria ainda se abster de manter, ampliar ou prorrogar contratos com empresas de prestação de serviços relacionadas a pessoas ligadas ao prefeito, ao vice-prefeito, aos secretários municipais, chefes de gabinetes, vereadores, presidentes ou dirigentes de autarquias, institutos, empresas públicas, sociedades de economia mista e fundações públicas municipais.
CONSÓRCIOS DE SAÚDE
Além de prefeituras, consórcios também foram provocados pelo Ministério Público para que dessem andamento a processos de contratação permanente. O Consórcio Público de Saúde da Microrregião de Itapipoca (CPSMIT) foi o primeiro deles, depois do MP ingressar na justiça, em 4 de maio, solicitando a suspensão de contratos e a realização de um concurso.
No dia 25, o Consórcio de Saúde da Microrregião de Tauá (CPSMT) passou a ser investigado pela instância, acusado de nunca ter realizado concurso público. A investigação deu origem a uma recomendação, para que um edital fosse lançado em até seis meses.