Ceará é 2º do Brasil com mais mortes associadas ao consumo de álcool, aponta estudo

Foram só três latinhas de cerveja, não dá em nada.” Esse foi o último pensamento de José* (nome fictício) minutos antes de pegar o carro, após a “happy hour”, e sofrer um acidente na volta para casa. Saiu com múltiplos ferimentos e uma decisão: “nunca mais beber uma gota de álcool”.

Milhares, por outro lado, não sobrevivem. O Ceará tem a 2ª maior taxa de óbitos associados ao consumo abusivo de álcool do Brasil: são 38,2 mortes por 100 mil habitantes, atrás apenas de Sergipe, com 39,3/100 mil. A taxa do País é de 32,6 óbitos/100 mil. Uma a cada quatro (25%) dessas mortes entre cearenses é causada por violência interpessoal, que inclui brigas e homicídios, por exemplo. As outras duas principais causas são os acidentes de trânsito (19%) e a cirrose hepática (16%).

Os números são da publicação “Álcool e a Saúde dos Brasileiros – Panorama 2021”, elaborada pelo Centro de Informações sobre Saúde e Álcool (CISA). Em três anos de levantamento, é a primeira vez que o Ceará aparece no ranking.
A pesquisa é feita com base no cruzamento de dados do Datasus e da Vigilância de Fatores de Risco e Proteção para Doenças Crônicas por Inquérito Telefônico (Vigitel), ambos do Ministério da Saúde, de 2010 a 2019.

REFLEXO NOS HOSPITAIS

Ainda conforme o ranking, o Ceará registrou uma taxa de 148 internações parcial ou totalmente atribuíveis ao álcool a cada 100 mil habitantes, em 2019. É o terceiro maior número do Nordeste.
Em 2020, os hospitais do Estado registraram 1.284 internações por intoxicação, envenenamento, transtornos mentais e doença do fígado causados pelo consumo abusivo de bebidas alcoólicas. Em 2021, até maio, foram 427, conforme o Sistema de Informações Hospitalares do SUS.
Apesar dos resultados negativos, o número de mortes associadas ao álcool no Estado tem caído, como observa Mariana Thibes, coordenadora do CISA e doutora em Sociologia. “Essa tendência mostra que algumas políticas públicas têm tido bons resultados, como a Lei Seca”, pontua.

USO ABUSIVO X DEPENDÊNCIA DO ÁLCOOL

Fábio Souza, PhD em Psiquiatria e professor da Universidade Federal do Ceará (UFC), explica que uso abusivo e dependência são diferentes – mas que o primeiro, se contínuo, pode ocasionar a segunda. É preciso observar os sinais do corpo.
“Quando para obter o mesmo efeito a pessoa precisa beber mais doses (aumento da tolerância) ou quando fica bêbada com menos (tolerância inversa) do que bebia antes, é um sinal de dependência”, lista o médico.

Um dos fatores para uso abusivo do álcool crescente no Brasil, como avalia Fábio, é a exposição precoce. “20 a 30% das pessoas que experimentam álcool aos 12 anos de idade terão problemas ligados a ele. Se forem apresentadas à bebida aos 27, a probabilidade cai para 2 a 3%”, informa o psiquiatra.

COMO IDENTIFICAR USO ABUSIVO E BUSCAR AJUDA

Para Alexandre Semeraro, doutor em Saúde Coletiva e professor de Psicologia da Universidade Estadual do Ceará (Uece), a publicidade positiva e o “culto ao álcool” não são equilibrados por uma “educação em saúde de modo respeitoso e crítico”, que tende a ditar extremos: “ou pode ou não pode”.
“A frequência e os modos de consumo podem escorregar para agravos nos planos social, emocional e orgânico. Na tendência ao abuso ou dependência, a pessoa começa a faltar compromissos, trabalho; há comprometimentos biológicos, por exemplo”, lista.
A dependência, porém, como destaca Alexandre, “não é produzida do nada”: “envolve contexto, uma situação vivida, um organismo biológico, psíquico e social”. É preciso, então, “considerar a singularidade, para se fazer todo um procedimento respeitoso, amoroso e acolhedor”.

Em Fortaleza, seis Centros de Atenção Psicossocial para Álcool e Drogas (CAPS-AD) atendem a quem necessite de suporte relacionado ao alcoolismo ou outras dependências químicas. “Existem também outros serviços de acompanhamentos, denominados AA (Alcoólicos Anônimos), além dos privados”, reforça o psicólogo.

Via: SVD

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