Maior mina de urânio do Brasil em Santa Quitéria promete empregos, mas especialistas apontam risco de contaminação

A mineração da maior reserva de urânio do país é uma promessa e uma polêmica no Ceará. Com potencial de produção de energia e fertilizantes, a ideia conta com o apoio de gestores estaduais. No entanto, o projeto Santa Quitéria desperta questionamentos de comunidades e pesquisadores, que apontam riscos catastróficos para o meio ambiente e a vida da população.

A proposta é explorar a jazida situada na fazenda Itataia, que fica entre os municípios de Santa Quitéria e Itatira, a cerca de 210 quilômetros de Fortaleza. O concentrado de urânio e o fertilizante fosfatado seriam os produtos finais. Até agora, as tentativas de licenciamento para lavra e beneficiamento de minério não tiveram sucesso.

Em dezembro de 2022, o Estudo de Impacto Ambiental (EIA) não foi aprovado pelo Instituto Brasileiro do Meio Ambiente (Ibama), que solicitou informações complementares apontando que os dados apresentados eram insuficientes em alguns pontos, como sustentabilidade ambiental do empreendimento e invisibilidade de populações e comunidades tradicionais da região.

Esta etapa é normal em grandes projetos, e os estudos complementares solicitados devem ser apresentados ao Ibama até o fim de 2023, afirma Christiano Brandão, gerente corporativo de licenciamento e meio ambiente da Galvani Fertilizantes, empresa integrante do Consórcio Santa Quitéria.

A partir desta nova fase, ele explica que foi possível aprofundar as informações coletadas para um melhor desenho do projeto.

Além dos trâmites para licenciamento ambiental junto ao Ibama, o empreendimento também está com licenciamento nuclear atualmente sob análise na Comissão Nacional de Energia Nuclear (CNEN). Para a fase de implantação, o projeto Santa Quitéria prevê um investimento de R$ 2,3 bilhões.

Em setembro deste ano, o governo do Ceará deu mais um passo no apoio ao empreendimento. Foi a renovação do memorando de entendimento com o consórcio Santa Quitéria, formado pela empresa pública Indústrias Nucleares do Brasil (INB) e com a Galvani Fertilizantes, do setor privado.

No documento publicado no Diário Oficial do Estado, o governador Elmano de Freitas (PT) e vários secretários estaduais assinaram compromisso, válido pelos próximos cinco anos, em cooperar para a implantação do projeto. Também assinaram representantes das pastas do Meio Ambiente e dos Recursos Hídricos.

A renovação foi recebida com preocupação pelas pessoas que se opõem ao projeto. Não renovar o memorando era uma das recomendações de relatório divulgado há um ano pelo Conselho Nacional dos Direitos Humanos (CNDH). O documento indica uma série de violações aos direitos das populações do entorno caso a usina seja implantada.

Como funcionará a usina

 

Projeto prevê etapas de mineração a céu aberto e separação do fosfato do urânio na jazida de Itataia, no Ceará — Foto: Consórcio Santa Quitéria/Reprodução

Projeto prevê etapas de mineração a céu aberto e separação do fosfato do urânio na jazida de Itataia, no Ceará — Foto: Consórcio Santa Quitéria/Reprodução

O mineral encontrado na jazida de Itataia é o colofanito, que traz o fosfato e o urânio juntos. A operação prevista para explorar a mina inclui várias fases, que resultam na produção do concentrado de urânio e de fertilizantes fosfatados.

As principais etapas de produção:

  • Mineração a céu aberto: as rochas com urânio e fosfato são retiradas, britadas e moídas.
  • Calcinação: nesta etapa, os minerais são separados, resultando no concentrado de rocha fosfática.
  • Produção do ácido fosfórico: o concentrado de rocha fosfática é misturado com água e ácido sulfúrico, produzido em uma unidade industrial instalada no complexo. Nesta fase, são obtidos fosfogesso e cal, que serão estocados na pilha de rejeitos.
  • Purificação do ácido fosfórico: o urânio e o fosfato são integralmente separados no sistema de extração por solventes. Os dois produtos desta fase são o licor de urânio e o ácido fosfórico sem urânio.
  • Produção do concentrado de urânio: na instalação de urânio, o licor é transformado em uma pasta e, em seguida, vira um pó amarelo (também conhecido como “yellow cake”). Este concentrado de urânio é armazenado em tambores e transportado para o Porto do Pecém, de onde será exportado para outro país. De volta ao Brasil, o material será levado para a fábrica da INB no Rio de Janeiro e transformado em pastilhas e combustíveis nucleares, que servirão para gerar energia nas usinas nucleares de Angra dos Reis.
  • Fabricação de fertilizantes: com o ácido fosfórico, serão fabricados em Santa Quitéria adubos fosfatados para a agricultura e fosfato bicálcico, componente essencial para rações e suplementos para animais. Os produtos se destinam a produtores do Norte e Nordeste do país.
  • Pilhas de rejeitos: a estação a seco, com fosfogesso e cal, foi uma mudança no projeto para eliminar as barragens de rejeitos.

 

A estimativa é de produzir anualmente: 1,05 milhão de toneladas de fertilizantes fosfatados, 220 mil toneladas de fosfato bicálcico e 2,3 mil toneladas de concentrado de urânio.

Por parte do projeto, a expectativa é obter a licença de instalação até o fim de 2024. As obras de instalação devem durar dois anos e meio. Neste cenário e com a licença de operação aprovada, a usina poderia começar a produzir entre o fim de 2027 e o começo de 2028. A proposta é de explorar a jazida por 20 anos.

Especialistas apontam impactos que chegam até Fortaleza

 

Mapeamento formado por pesquisadores aponta impactos da mineração que alcançam mais de 4 milhões de pessoas — Foto: Articulação Antinuclear/Reprodução

Mapeamento formado por pesquisadores aponta impactos da mineração que alcançam mais de 4 milhões de pessoas — Foto: Articulação Antinuclear/Reprodução

O risco de desastres graves no território cearense abrange uma população estimada de 4,5 milhões de pessoas, que poderiam ser atingidas de forma direta ou indireta. O cálculo vem do mapa construído coletivamente por pesquisadores da Articulação Antinuclear, que reuniu aspectos sociais e ambientais para produzir informações sobre os riscos potenciais do projeto.

Esta estimativa inclui 2,6 milhões de habitantes em Fortaleza, que entra como local possivelmente impactado em casos de acidentes no transporte dos materiais radioativos para os portos do Pecém e do Mucuripe. Nas zonas de impactos pelo Ceará, foram mapeados 28 povos indígenas e 16 comunidades quilombolas.

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