Pelo menos 43 pessoas foram vítimas de bala perdida em 3 anos no Ceará

Pelo menos 43 pessoas já foram vitimas desse tipo de ocorrência no Ceará só nos últimos três anos. O dado é de um levantamento realizado pela Rede de Observatório de Segurança, com base em matérias jornalísticas que foram divulgadas na imprensa estadual.

Estatísticas consideram reportagens nas quais as vítimas não possuíam qualquer relação com os fatos ou com situações que ensejaram os ataques. Conforme entidade, entre junho de 2019 e julho de 2022 no mínimo 43 pessoas foram atingidas por bala perdida na Unidade Federativa.

De forma mais detalhada, o balanço aponta que no segundo semestre de 2019 pelo menos sete pessoas foram vítimas de bala perdida no Ceará. O ano de 2020, considerado um dos anos mais violentos da história do Estado, foi o que mais teve ocorrências desse porte, sendo 19 no total.

Já em 2021 ao menos cinco pessoas foram vitimadas por um disparo dessa natureza. O levantamento mostra ainda que em 2022, até o mês de julho, foram identificados dois casos desse porte, conforme apuração de matérias realizadas por veículos de notícias do Estado no período.

2020 foi o ano mais violento

Era madrugada de uma terça-feira de carnaval, dia 25 de fevereiro de 2020. A jovem Ângela Christiany Nobre Palácio, 24, voltava do aniversário de seu irmão, acompanhada do marido, quando parou em um posto de combustível na avenida Francisco Sá, no bairro Cristo Redentor, em Fortaleza.

Conforme reportagem do jornal O POVO feita à época, no local a jovem foi surpreendida por homens encapuzados que chegaram disparando tiros de arma de fogo. Uma bala perdida atingiu Ângela e provocou seu óbito. Mulher deixou dois filhos pequenos.

O caso gerou uma grande comoção social, mas não foi o único a acontecer naquele período. De acordo com o levantamento da Rede de Observatório de Segurança, 2020 foi o ano que mais registrou casos de vítimas de bala de fogo (19), em comparação aos demais analisados.

 

Ângela Christiany, 24 anos, foi morta após homens encapuzados chegaram disparando no posto de combustível onde a jovem estava
Ângela Christiany, 24 anos, foi morta após homens encapuzados chegaram disparando no posto de combustível onde a jovem estava (Foto: Reprodução/Facebook )

 

 

Dados divulgados na 15º edição do Anuário Brasileiro de Segurança Pública, elaborado pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP), mostrou que o Ceará teve, em 2020, a maior taxa proporcional de Mortes Violentas Intencionais (MVIs) do Brasil: 45,2 por 100 mil habitantes.

2020 também foi considerado um dos anos mais violentos da história do Ceará, como consta em reportagens do jornal O POVO datadas da época. O Estado teve um aumento significante de homicídios, principalmente após o inicio da paralisação policial que ocorreu em fevereiro daquele ano.

Segundo Ricardo Moura, pesquisador do Laboratório de Estudos da Violência (LEV) da Universidade Federal do Ceará (UFC), o número expressivo de casos de bala perdida que ocorreram na época não tem ligação direta com o motim, mas com o aumento da violência que ocorreu após aquele período.

“Não acredito que seja por causa do motim, mas sim pela situação de violência letal que teve um incremento e aí as balas perdidas seguem em paralelo. Não são episódios isolados. Eles têm relação”, destaca.

O pesquisador também reforça que “quanto maior for a violência em um local”, mais disparos ocorrem e pessoas inocentes têm mais chances de serem atingidas. “Há uma expectativa na comunidade de que somente as pessoas que tenham envolvimento com o crime são as vítimas né, mas a gente sabe que isso não é verdade”, frisa ainda Moura.

Índice oficial não é especificado

Os índices apresentados no levantamento da Rede de Observatório de Segurança não correspondem ao valor total. Isso porque no balanço não consta os dados oficiais dos órgãos de segurança. Ou seja, números advém apenas de notícias que chegaram ao conhecimento público.

O POVO procurou a Secretaria da Segurança Pública e Defesa Social (SSPDS) para saber se a instituição realiza um levantamento oficial acerca de ocorrências como essa. Em resposta, a pasta informou que “todos os casos noticiados à Polícia Civil são inseridos em ocorrências de lesão corporal dolosa ou em tipificação criminal mais adequada para os casos em que há óbito”.

Dessa forma, as estatísticas compiladas pela secretaria acabam abrangendo também outras ocorrências. “No acumulado de janeiro a julho de 2022, o Ceará apresentou redução de 6,7% nos Crimes Violentos Letais e Intencionais (CVLI), indo de 1.862 para 1.738 casos, no comparativo com o mesmo período de 2021”, afirmou ainda o órgão (veja nota na íntegra ao fim da reportagem).

Ricardo Moura explica que “dificilmente” os órgãos de segurança vão apresentar um levantamento específico a respeito dessa estatística. Isso porque o dado não seria “algo que possa vir a servir de indicador”, servindo apenas como um registro de armas de fogo nos lugares onde esses casos ocorrem.

Em relação a subnotificações, Moura reforça a informação da SSPDS ao informar que todo caso de bala perdida é geralmente gravado como lesão corporal. Dessa forma, não seria possível ter a contabilidade específica desse tipo de caso. Assim como também casos de subnotificações não se aplicariam.

Relação das ocorrências com bairros periféricos e comunidade

No levantamento divulgado pela Rede de Observatório, só cinco estados brasileiros apareceram como monitorados desde 2019, sendo eles: Ceará, Bahia, Pernambuco, Rio de Janeiro e São Paulo. Desses, o estado carioca lidera em índice de vítimas por bala perdida, totalizando cerca de 320 casos.

Já no comparativo dos estados nordestinos monitorados pela entidade, Pernambuco é o que apresenta o maior índice desse tipo de ocorrência no período analisado (60). Em seguida vem Ceará (43) e Bahia (35).

Ricardo Moura pontua que cada caso de bala perdida precisa ser investigado, para entender as questões sociais por trás do episódio. No entanto, ele frisa que “a presença muito elevada de armas de fogo nos bairros e nas comunidades” acaba contribuindo para que as ocorrências aconteçam.

“Bairros periféricos são o que apresentam o maior número de assentamento precário e tem um relação entre assentamentos precários e homicídios. Por certo isso também tem uma influência com a questão dos tiros, das balas perdidas”, destaca o pesquisador.

Relembre alguns dos casos

O POVO fez um levantamento dos casos de bala perdida noticiados no período entre janeiro de 2019 a agosto de 2022. Alguns deles, como o da jovem Ângela, tiveram grande repercussão e geraram comoção social. Confira:

25 de novembro de 2019: Ronald Miguel Freitas de Oliveira, de 15 anos, morreu após ser atingido por um disparo de arma de fogo, no bairro Jacarecanga. Vítima era coroinha e sonhava em ser padre.

 

Ronald Miguel de Freitas de 15 anos voltava da igreja com a mãe quando foi atingido por um projétil
Ronald Miguel de Freitas de 15 anos voltava da igreja com a mãe quando foi atingido por um projétil (Foto: Reprodução Facebook)

 

 

17 de dezembro de 2019: Uma criança de 10 anos foi lesionada por bala perdida em Barbalha, na Região do Cariri, e sobreviveu.

27 de fevereiro de 2020:  Ângela Christiany Nobre Palácio, de 24 anos, foi atingida por um bala perdida em um tiroteio em um posto de combustível na avenida Francisco Sá, no bairro Cristo Redentor, em Fortaleza, e veio a óbito.

26 de abril de 2021: Maria Eliane Ribeiro da Silva, de 41 anos, foi atingida por um dos tiros disparados por criminosos nas Comunidades das Quadras, localizado na Aldeota, em Fortaleza. A dona de casa não resistiu ao ferimento.

20 de agosto de 2022: O bebê Abrãao Lucca, de nove meses foi atingido por uma bala perdida e veio a óbito. Segundo informações apuradas pelo jornal POVO, o alvo dos tiros seria o pai do garoto, que segurava a criança no braço no momento do tiroteio.

Veja nota da SSPDS na íntegra:

“A Secretaria da Segurança Pública e Defesa Social (SSPDS) informa que, no acumulado de janeiro a julho de 2022, o Ceará apresentou redução de 6,7% nos Crimes Violentos Letais e Intencionais (CVLI), indo de 1.862 para 1.738 casos, no comparativo com o mesmo período de 2021. Durante o mês de julho deste ano, o Estado também apresentou uma diminuição de 2,3% nos CVLIs, indo de 263 para 257, quando comparado com o mesmo período do ano passado.

A retração se deve ao trabalho ostensivo realizado pela Polícia Militar do Ceará (PMCE), além dos trabalhos investigativos da Polícia Civil do Estado do Ceará (PC-CE) que visam à identificação e às capturas de chefes de grupos criminosos.

Sobre os dados de bala perdida, a SSPDS esclarece que todos os casos noticiados à Polícia Civil são inseridos em ocorrências de lesão corporal dolosa ou em tipificação criminal mais adequada para os casos em que há óbito. Dessa maneira, as estatísticas compiladas pela Superintendência de Pesquisa e Estratégia de Segurança Pública abrangem também outras ocorrências.

A pasta pontua ainda que adota ações preventivas, por meio da territorialização do policiamento em locais com maior incidência de crimes, ofensivas realizadas pela Polícia Militar, norteadas por estudos da Superintendência de Pesquisa e Estratégia de Segurança Pública (Supesp), e somadas ao trabalho investigativo da PC-CE e da inteligência da SSPDS, bem como de suas demais vinculadas”.

Leia mais em: https://www.opovo.com.br/noticias/ceara/2022/08/10285177-pelo-menos-43-pessoas-foram-vitimas-de-bala-perdida-em-3-anos-no-ceara.html
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